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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Qual a importância da arte em nossa sociedade?

Texto de Leonardo Brant para a Cultura e Mercado


Arte, aspirinas e urubus

Leonardo Brant | sexta-feira, 22 outubro 2010
Qual a importância da arte em nossa sociedade? Como responder a essa pergunta quando sequer conseguimos definir o que é arte? Qual a função política da arte? Podemos atribuir um papel a ela? Cidadania, cultura, educação: o que isso tudo tem a ver com arte?
Precisamos deixar de enxergar a arte (e consequentemente, o artista) por sua fragilidade, delicadeza, como algo que precisa ser sustentado pela sociedade. Estamos acostumados a colocar a arte numa redoma, num lugar de proteção, de cuidado. O artista, então, passa a ser visto como alguém descontectado do mundo real, alguém que precisa tratamento especial, precisa ser protegido, celebrado, celebrizado. E, portanto, aprisionado.
A arte sustenta a sociedade, oferece sentido, significado, razão e emoção. Sem ela, não sabemos por que existimos, o que estamos fazendo aqui, para onde vamos, como devemos olhar e se relacionar com o outro, com a natureza.
Subordinada a qualquer instância de poder (de cunho religioso, ideológico, do Estado ou da economia) a arte, tanto quanto a filosofia e a ciência (não seriam formas de arte?), tornam-se poderosos instrumentos de manipulação. Uma arte moral, a serviço de determinada visão de mundo, desconectada de uma ética mais profunda, universal.
Precisamos (e podemos) redimensionar o tempo e o lugar da arte nas sociedades contemporâneas (videocráticas, do consumo, do espetáculo). A política, o mercado (se é pelo capitalismo, usemos suas armas), o processo de formação (cultural e educacional) são nossos meios de construção de uma nova ética que catapulte a arte e o artista a outro patamar. Mas estão cada vez mais consumidos por grupos de interesses (econômicos, partidários, ideológicos).
Uma arte livre e democrática não tem a ver apenas com a liberdade de criação dos artistas e com a manutenção de espaços de expressão dessa liberdade. Tem a ver, sobretudo, com o estímulo e o desenvolvimento da capacidade artística do cidadadão, com a conquista de sua autonomia e independência, permitindo-o escolher e definir seus próprios referenciais estéticos, éticos e identitários, frente à enxurrada de informações e mensagens subliminares, presentes em todos os tipos de arte, do cinema à publicidade, passando pelas paisagens urbanas e pelos ritos e ritmos da vida cotidiana, que nos permite viver sem pensar, sem sentir, sem olhar.
Precisamos formar artistas. Não artistas de profissão (isso é escolha de cada um). Precisamos criar cidadãos capazes de ler, de compreender o sentido mais profundo da vida, de encontrar este sentido nas atitudes mais simples. De viver e conviver com ética e verdade.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O gesto na dança: sentimento, sentido e forma

“Gesto é a abstração básica pela qual a ilusão da dança é efetuada e organizada”. Assim diz Langer em seu livro “Sentimento e Forma”. Para chegar a tal afirmação foi preciso analisar processos de criação e significação na dança, dadas a partir de duas fontes: a ilusão primária e a abstração básica.
A ilusão primária tem relação com a esfera virtual do poder que se estabelece na arte. Poder esse que não é real, visto que se trata de “aparências de influências” criadas a partir de um gesto virtual. Isso quer dizer que, ao presenciar uma dança, percebe-se estruturas de poder. Um grupo de bailarinos que se abaixa enquanto outro levanta, deslocamentos, alternância de velocidades e intensidades energéticas. Tudo isso configura uma estrutura coreográfica que transmite uma ilusão, uma aparência. O que Langer chama de poderes virtuais.
O gesto é virtual pois é abstraído do real. É ilusório. Parece fazer parte de nossas experiências diretas mas ele sofre um outro processo. A abstração básica é o processo pelo qual o gesto se configura em elemento artístico. Um gesto cotidiano, real, é como um sinal que representa um desejo, uma intenção, um sentimento. Mas ele por si só não é arte. É um movimento vital constituinte do nosso vocabulário real. Para que se torne dança, portanto um gesto artístico, ele tem que ser imaginado e assim passível de ser executado isoladamente daquela situação momentânea. Assim, ele se torna uma “forma simbólica livre” que pode vir a se tornar um gesto dançado. A gestualidade na dança é uma expressão ilusória da força vital presente nos bailarinos. A aparente espontaneidade é criada pelos “gestos de semelhança” com o real.
O movimento é real, enquanto a expressão é virtual Os poderes virtuais da dança geram experiências subjetivas de volição e livre atividade que permitem uma consciência da vida e do poder vital. O sentimento criado é um sentimento de poder imaginado. Esse sentimento imaginado é o princípio da expressividade gestual da dança, pois dá a emoção ao movimento corporal.

Gesto é um movimento expressivo. Mas ele expressa o que? Segundo Langer há duas resposta: ele pode ser auto-expressivo ou “logicamente expressivo”, ou ainda ambos. Isso quer dizer que ele pode ser sintoma de uma condição subjetiva (um abraço), tanto quanto pode ser convencionalmente simbolizado (um aceno), podendo também transitar entre os dois aspectos. Sendo que ambos sofrem interferência do estado de ânimo do que executa o gesto, refletido na maneira como se faz.
Os aspectos reais e virtuais do gesto se misturam num emaranhado complexo na dança. As coreografias são formadas por gestos reais, entendendo por real aquilo que brota de uma intenção. Mas na verdade nada é o que parece ser. Não é afirmável. Essa realidade é criada para gerar uma semelhança de auto-expressão, como se o bailarino estivesse sentindo exatamente aquele sentimento. A emoção é virtual, é criada.
Isso tudo acontece em função da gratuidade do gesto. Como bem diz José Gil em seu livro “Movimento Total – o corpo e a dança” o gesto: “transporta e guarda para si o mistério do seu sentido”. Ele compreende múltiplos significados a partir de diversos contextos semânticos. Contendo ainda uma dimensão explícita e implícita.
O sentimento e o sentido do gesto dançado, portanto, transbordam o próprio gesto. Este nunca vai até o seu próprio fim, o gesto não tem fim, ele prolonga-se para além da superfície corporal. E ainda, a dança como arte, de maneira geral, não apresenta um fim e sim finalidade.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Perfil

Um educador Ribeirinho

Das regiões ribeirinhas de Abaetetuba para o universo literário, o escritor João de Jesus Paes Loureiro se tornou um dos maiores literários do Brasil e trouxe consigo a riqueza cultural amazônica e todo o seu potencial simbólico. Seus livros são referência para muitos estudos acadêmicos como a estética e a filosofia, e suas obras poéticas encantam gerações de “amazônidas”.
Em seu apartamento em um bairro nobre de Belém é possível observar as várias influências culturais e simbólicas que permeiam a vida e as obras de Paes Loureiro. Ao entrar, vêem-se pinturas modernas ao lado de cocares enquadrados como verdadeiras obras artísticas, e que de fato o são para o escritor.
Um enorme barco junto com alguns outros brinquedos de Miriti, característicos da região nativa do poeta, enfeitam um cantinho específico da casa. Como se ali, junto com as plantas e a mesa de jantar, fosse o seu espaço de lembranças da infância.
Uma mistura de clássico e moderno, regional e universal. Dizem que a casa é o reflexo externalizado do homem. Se assim o for, Paes Loureiro é como um filósofo grego em um anfiteatro no meio da floresta amazônica. Sempre aberto a novas formas de conhecimento, a novas realidades, sem deixar de lado a sua natureza, sua essência
Atualmente, Paes Loureiro se dedica principalmente a lecionar. Professor da Universidade Federal do Pará, ensina nos cursos de Comunicação Social e Licenciatura Plena em Dança. Para o educador, dar aula já se tornou algo completamente natural. Sempre sentiu a profissão de professor como uma vocação.
Ao ser indagado sobre como é ser um professor, ele diz que é uma constante renovação de pensamento. “A relação entre aprender e ensinar é indissociável e necessária para o enriquecimento profissional e humano. Nessa área não se vive isoladamente, o professor é um ser de companhia”.
Para ele a troca de conhecimento e a mudança são elementos necessários para que se saia do lugar comum e se evolua. Por isso ele tenta estar sempre acessível para os seus alunos e a cada ano muda seu planejamento de curso, para que assim novos pensamentos se formem partindo de um mesmo ponto.
Francisco Paulo Mendes (popular Chico Mendes) e Joaquim Fontes Brasil foram professores de João de Jesus na graduação e na pós-graduação respectivamente. E para ele, esses são seus dois modelos de educador. Suas características que os diferenciaram são exatamente as que Paes Loureiro presa em seu trabalho: a acessibilidade; a organização; a busca pela clareza na explicação; e a simplicidade.
As dimensões artísticas e profissionais se entrecruzam na pessoa do escritor. Para ele não há uma indissociabilidade nem uma diferenciação entre o ser artista e o ser professor. “Hoje é algo tão intrínseco, tão encarnado no meu ser que não há como ser uma coisa sem ser outra ao mesmo tempo. Tudo está aqui, uno. Eu fiz licenciatura em letras para ser também escritor. Está em mim desde o princípio.” Diz João de Jesus.
Questionado sobre o modelo de aluno ideal, Paes Loureiro revela que para ele não há. Cada um tem sua forma de aprender. Cada um tem seus objetivos e ambições. Mas há algumas características admiráveis em um estudante.
Por exemplo a assiduidade nas aulas; a participação dentro de sala ao perguntar, questionar, acrescentar, problematizar; e a busca do conhecimento dentro e fora do espaço acadêmico. Mas para ele essa busca deve ser feita principalmente dentro da universidade e da sala de aula, local específico para o erro e o treino, pois quando se está fora é preciso ter esse conhecimento o mais concreto possível.
Quem conhece pessoalmente João de Jesus Paes Loureiro sabe o quanto é enriquecedor ouvir suas experiências de vida, seus ensinamentos, suas explanações. E entende a importância desse poeta, professor, escritor, artista, educador para a cultura amazônica. E para quem não conhece vale a pena procurar, pois há muito o que se ouvir e descobrir sobre ele.
Conhecer Paes Loureiro é conhecer um pouco da Amazônia. Mas não a Amazônia das reportagens, deveras distantes da realidade. Mas sim conhecê-la de um ponto de vista poético, visionário, simples e claro. Como de uma criança que vê tudo pela primeira vez. E ouve as histórias da Tia Maria na beira do rio, em Abaetetuba.