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segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O gesto na dança: sentimento, sentido e forma

“Gesto é a abstração básica pela qual a ilusão da dança é efetuada e organizada”. Assim diz Langer em seu livro “Sentimento e Forma”. Para chegar a tal afirmação foi preciso analisar processos de criação e significação na dança, dadas a partir de duas fontes: a ilusão primária e a abstração básica.
A ilusão primária tem relação com a esfera virtual do poder que se estabelece na arte. Poder esse que não é real, visto que se trata de “aparências de influências” criadas a partir de um gesto virtual. Isso quer dizer que, ao presenciar uma dança, percebe-se estruturas de poder. Um grupo de bailarinos que se abaixa enquanto outro levanta, deslocamentos, alternância de velocidades e intensidades energéticas. Tudo isso configura uma estrutura coreográfica que transmite uma ilusão, uma aparência. O que Langer chama de poderes virtuais.
O gesto é virtual pois é abstraído do real. É ilusório. Parece fazer parte de nossas experiências diretas mas ele sofre um outro processo. A abstração básica é o processo pelo qual o gesto se configura em elemento artístico. Um gesto cotidiano, real, é como um sinal que representa um desejo, uma intenção, um sentimento. Mas ele por si só não é arte. É um movimento vital constituinte do nosso vocabulário real. Para que se torne dança, portanto um gesto artístico, ele tem que ser imaginado e assim passível de ser executado isoladamente daquela situação momentânea. Assim, ele se torna uma “forma simbólica livre” que pode vir a se tornar um gesto dançado. A gestualidade na dança é uma expressão ilusória da força vital presente nos bailarinos. A aparente espontaneidade é criada pelos “gestos de semelhança” com o real.
O movimento é real, enquanto a expressão é virtual Os poderes virtuais da dança geram experiências subjetivas de volição e livre atividade que permitem uma consciência da vida e do poder vital. O sentimento criado é um sentimento de poder imaginado. Esse sentimento imaginado é o princípio da expressividade gestual da dança, pois dá a emoção ao movimento corporal.

Gesto é um movimento expressivo. Mas ele expressa o que? Segundo Langer há duas resposta: ele pode ser auto-expressivo ou “logicamente expressivo”, ou ainda ambos. Isso quer dizer que ele pode ser sintoma de uma condição subjetiva (um abraço), tanto quanto pode ser convencionalmente simbolizado (um aceno), podendo também transitar entre os dois aspectos. Sendo que ambos sofrem interferência do estado de ânimo do que executa o gesto, refletido na maneira como se faz.
Os aspectos reais e virtuais do gesto se misturam num emaranhado complexo na dança. As coreografias são formadas por gestos reais, entendendo por real aquilo que brota de uma intenção. Mas na verdade nada é o que parece ser. Não é afirmável. Essa realidade é criada para gerar uma semelhança de auto-expressão, como se o bailarino estivesse sentindo exatamente aquele sentimento. A emoção é virtual, é criada.
Isso tudo acontece em função da gratuidade do gesto. Como bem diz José Gil em seu livro “Movimento Total – o corpo e a dança” o gesto: “transporta e guarda para si o mistério do seu sentido”. Ele compreende múltiplos significados a partir de diversos contextos semânticos. Contendo ainda uma dimensão explícita e implícita.
O sentimento e o sentido do gesto dançado, portanto, transbordam o próprio gesto. Este nunca vai até o seu próprio fim, o gesto não tem fim, ele prolonga-se para além da superfície corporal. E ainda, a dança como arte, de maneira geral, não apresenta um fim e sim finalidade.

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